Era Hemingway um sentimental?

Biografia ilustrada sobre a relação de Hemingway e os gatos
Biografia ilustrada sobre a relação de Hemingway e os gatos

Entre todas as características excêntricas de Hemingway, existe uma que é, provavelmente, bem pouco conhecida, e que aliás pouco combina com a persona macho do norte-americano: o escritor de Por Quem os Sinos Dobram e Adeus às Armas era fanático por gatos – ele chegou a ter 57 felinos na sua casa em Cuba. O primeiro, carinhosamente chamado de “bola de neve”, foi um presente do capitão de um navio e tinha seis dedos, o que acabou sendo herdado por muitos de seus descendentes, contados hoje na casa das centenas.

Esse amor animal está bem documentado no curioso livro Hemingway’s Cats: an illustrated biography, de Carlene Brennen. Diz a contracapa do título (em tradução nossa): Hemingway “sempre teve grande prazer em escrever para sua família sobre seus gatos e como eles se davam bem. Família e animais de estimação desempenharam um papel importante na vida do escritor, revelando um lado mais suave do que seu personagem em geral retratado pela imagem durona do caçador e do pescador”. No contexto, surpreende até o apelido dado pelo autor para os bichos: esponjas de amor.

A relação, no entanto, ganhou contornos tristes em fevereiro de 1953, quando um de seus gatos, Tio Willie, foi atropelado. A história foi relembrada pelo site Brain Pickings, que reproduziu a seguinte carta (triste) de Hemingway para o amigo Gianfranco Ivancich:

“Caro Gianfranco:

Logo depois de eu ter escrito para você e colocar a carta no envelope, Mary veio da Torre e disse, ‘uma coisa terrível aconteceu com Willie’. Fui lá e encontrei Willie com suas duas patas direitas quebradas: uma no quadril, outra abaixo do joelho. Um carro deve tê-lo atropelado ou alguém o acertou com um taco. Ele veio todo o caminho até em casa com as duas patas de um lado só. Foi uma fratura múltipla com muita sujeira na ferida e fragmentos salientes. Mas ele ronronou e parecia certo de que eu poderia resolver o problema.

Mandei René pegar uma tigela de leite para ele e René o segurou e o cuidou e Willie bebia o leite enquanto eu atirei em sua cabeça. Não acho que ele sofreu e os nervos foram esmagados, então suas pernas ainda não tinham realmente a doer. Monstruo queria atirar por mim, mas eu não poderia delegar a responsabilidade ou arriscar que Willie percebesse que alguém iria matá-lo.

Já precisei atirar em pessoas, mas nunca alguém que eu conhecia e amei por onze anos. Muito menos alguém que ronronou com duas pernas quebradas”.

Autoria: Davi Boaventura
Doutorando da Faculdade de Letras / PUCRS
Colaboração:
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