Por um motivo qualquer, geralmente amoroso, dois homens se enfrentam em um terreno ermo. Os dois empunham armas ou facas ou espadas. Um quer a morte do outro, um quer provocar a desonra do outro. Um duelo! A cena é clássica, bem comum em livros de cavalaria e filmes de bang-bang, mas, por incrível que pareça, situação semelhante aconteceu envolvendo dois dos principais escritores brasileiros no início da república tupiniquim.
O primeiro caso aconteceu em 1889, envolvendo o poeta Olavo Bilac. Bilac, que dois anos antes já havia sido responsável pelo primeiro acidente automobilístico do país, foi confrontado por João Carlos Pardal Mallet, editor revoltado com a saída do poeta do jornal A Rua, e acabou vencendo. A luta de espadas, no entanto, durou somente quatro segundos, de acordo com a lenda contada pelo site Guia dos Curiosos. Marcado para 19 de setembro, o confronto foi adiado duas vezes em função da vigília da polícia. Quando enfim se digladiaram, Mallet foi ferido na barriga e, pelas regras do embate, Bilac foi declarado vencedor.
A história mais grave, porém, se deu com Euclides da Cunha, em 1909, e até hoje revolve polêmicas. Depois que sua esposa o traiu com um soldado quase vinte anos mais novo que ela, inclusive tendo dois filhos, Euclides da Cunha invadiu a casa do sujeito, Dilermando de Assis, portando um revólver calibre .22 e disposto a “matar ou morrer”. Morreu, alvejado por quatro tiros de um revólver calibre .38. Alegando legítima defesa, Dilermando foi julgado duas vezes e absolvido nas duas oportunidades. Em seguida, o atirador casou com a viúva do escritor, Anna, com os dois permanecendo juntos por quinze anos e sete filhos.
Em agosto de 2009, com atualização em dezembro de 2010, o jornal carioca Extra publicou uma reportagem recontando o duelo entre Euclides e Dilermando e incluiu no debate sobre o assunto dois depoimentos interessantes. O primeiro é do genro de um dos filhos do escritor e pode ser assistido em vídeo aqui. O segundo é do juiz cearense Manuel Clístenes de Façanha e Gonçalves, autor do livro “Contrastes e Confrontos na vida de Euclides da Cunha”. Para o magistrado, “a versão que ficou para a história foi a de Dilermando. E ele nunca contou exatamente como se deram os tiros”. E o juiz é ainda mais taxativo: “Analisando hoje o processo, a gente vê que a ação dele pode ter sido iniciada como um ato de legítima defesa, mas, sem sombra de dúvidas, foi finalizada como homicídio doloso”.
No finalzinho da reportagem, quando elenca os personagens do imbróglio, o Extra ainda lembra uma continuação nada elegante da história: sete anos mais tarde, em 1916, buscando vingança pelo pai, Euclides da Cunha Filho, o Quidinho, também foi morto por Dilermando, desta vez em um tiroteio dentro de um cartório. Novamente julgado, Dilermando foi novamente absolvido.
- Autoria: Davi Boaventura
- Doutorando da Faculdade de Letras / PUCRS
Faculdade de Letras / PUCRS