Sobre Hemingway, Faulkner uma vez disse (em tradução livre): “ele nunca foi conhecido por usar uma palavra que fizesse o leitor procurar um dicionário”. Hemingway, por sua vez, respondeu no mesmo tom desaforado: “Pobre Faulkner, ele realmente pensa que grandes emoções vêm de palavras grandes?”. De fato, os dois não se gostavam nem um pouco – a rivalidade, por exemplo, está documentada no livro Faulkner and Hemingway: biography of a literary rivalry, de Joseph Fruscione –, mas Hollywood, essa apaziguadora de ânimos em nome da arte, fez com que eles enfim “trabalhassem juntos”.
O diretor Howard Hawks apostou com Hemingway: produziria um bom filme do supostamente pior livro do escritor, To have and have not. Conseguiu. Mas somente mexendo bastante na trama e com a ajuda de Faulkner. À época, final da década de 1930 e início da década de 1940, o escritor do Mississipi preparava inúmeros roteiros para o cinema como forma de incrementar a renda, em geral textos para títulos nada memoráveis. A colaboração com Hawks, portanto, era apenas mais um trabalho, mas acabou se tornando Uma Aventura na Martinica (1944), não só o clássico inicial do casal Humphrey Bogart e Lauren Bacall como também o único filme até hoje a ser escrito por um ganhador do Nobel a partir do texto de outro ganhador do Nobel.
Mesmo assim, a curiosidade mais irônica da história é que a principal fala do roteiro – “você sabe assobiar, não sabe? É só juntar os lábios e soprar” – não foi criada por nenhum dos dois laureados escritores, e sim pelo próprio diretor. O diálogo era só uma pequena parte do teste de imagem de Bacall, ainda em seu primeiro papel no cinema, e virou um verdadeiro símbolo da atriz, que, em 1957, durante o funeral de Bogart, seu então marido, depositou um pequeno apito no caixão.
Seis anos depois, o livro To have and have not voltou a ser adaptado para as telas, desta vez com trama mais próxima do material original e se chamando The Breaking Point, ou, sabe-se lá porque, Redenção Sangrenta. Embora tenha sido dirigido por Michael Curtiz, ninguém menos que o diretor de Casablanca, o filme não teve nem de perto a mesma repercussão da aventura na Martinica, resultando no máximo em uma nota de rodapé na história do cinema.
- Autoria: Davi Boaventura
- Doutorando da Faculdade de Letras / PUCRS
Faculdade de Letras / PUCRS