Presença da literatura na música pop? Nenhuma novidade. Bulgákov influenciou uma das músicas mais famosas dos Rolling Stones, Sympathy for the Devil. Bowie escreveu uma música chamada 1984. O Velvet Underground eternizou Sacher-Masoch em Venus in Furs. Hemingway inspirou o Metallica a lançar uma música também chamada Por Quem os Sinos Dobram. Tolkien e seus hobbits fazem a festa no quarto álbum do Led Zeppelin. Salvo engano, no entanto, um dos autores mais citados pelos músicos, ao mesmo tempo em que é um dos escritores mais esquecidos pelas listas que compilam a relação entre as duas artes, é ninguém menos que um ganhador do Nobel: William Golding.
Vencedor do prêmio máximo da literatura em 1983, e atualmente reeditado no Brasil pela editora Alfaguara, o criador de Senhor das Moscas (1954) é referência constante nos mais diversos gêneros, embora com predominância no rock pesado, justamente por causa de seu livro mais famoso. O principal exemplo é o Iron Maiden e sua canção Lord of the Flies, cujas estrofes, além de argumentar sobre não precisarmos de um código de moralidade, fala sobre como somos simultaneamente santos e pecadores. Mas o livro também aparece em músicas do Bad Religion (1000 more fools), Offspring (You gonna too far, kid) e até do U2, com o disco Boy sendo encerrado com a faixa Shadows and Tall Trees, mesmo nome do sétimo capítulo da obra-prima de Goulding.
No Brasil, Senhor das Moscas é também o título de uma música composta por Fábio Cascadura – líder de uma banda bem famosa no cenário underground do rock em Salvador –, e tornada conhecida no país na voz da cantora Pitty, que a gravou para o disco A trupe delirante no Circo Voador, lançado em 2011. É, aliás, a segunda referência mais explícita à literatura na carreira da baiana, já que seu álbum de estreia se chama Admirável Chip Novo, uma citação bastante óbvia ao trabalho de Aldous Huxley. Mas, se no começo da carreira, as letras enfrentavam a reinstalação do sistema, o momento agora seria de se buscar a redenção?
Tu, que escondes o Amor do qual é detentor há milhões de dias
Tu, que é próprio da dor, dela é professor e de natureza arredia
Oh! Meu velho, me salva. Me livra da mágoa
Transforma em asas minha cruz
Tu, que é da rejeição, me traz proteção, me leva consigo
Tu, que, assim como eu, nunca aprendeu o que é temer um inimigo
Oh! Meu velho, me salva. Me livra da mágoa
Transforma em asas minha cruz
Senhor das Moscas, nas horas mais loucas de escuridão, me acende a luz
Tu, de rosto marcado, que mantém guardado embaixo desse seu capuz
Tu, que é força e valor, que é nobreza e pavor
Mostra aqui se eu te faço jus.
- Autoria: Davi Boaventura
- Doutorando da Faculdade de Letras / PUCRS
Faculdade de Letras / PUCRS