“Creio que o essencial é saber que não é preciso ou necessário uma história na história. No fundo é apenas a divagação, o pensamento que importa”. São palavras iniciais da estreia literária de Ryan Mainardi, Palimpsesto – cujo narrador, também Ryan Mainardi, faz jus a essa reflexão em 226 páginas de divagações sobre a literatura, a vida, a escrita, as mulheres. Natural de Sobradinho, aluno reincidente de Letras na PUCRS, Ryan Mainardi escreveu Palimpsesto nos 365 dias de 2010, alguns meses depois que chegou a Porto Alegre para estudar. “Foi importante eu escrever este romance pra me desafiar, provar que eu podia escrever algo mais longo, com fôlego. Ele também retrata um momento muito delicado da minha vida, que foi a ambientação à metrópole. Acho que isso aparece no romance”.
Ana Cristina César, Caio Fernando Abreu, Clarice Lispector, Beckett, e Foucault, Barthes, Schopenhauer, Sartre. Autores que aparecem no texto em citações e na voz do narrador, mas também como um pensamento sobre a literatura. Você os relia enquanto escrevia o romance ou é do time dos que não lêem enquanto criam?
Sem dúvida há vários diálogos, e várias formas de dialogar. Na parte formal, os diálogos mais claros são do Jogo da Amarelinha do Cortázar e do Nadja do Breton, minhas obsessões pessoais. Mas há vários outros ecos – um dos motivos para o livro se chamar Palimpsesto. Esta obsessão das citações é um eco de Vila-Matas; a estrutura fragmentária, além de Cortázar e Breton, é um eco de Péter Esterházy e do Livro do Desassossego; há uma metafísica que é a minha grande herança de Clarice; e há Borges, Beckett e outros. Sim, eram autores que eu estava lendo enquanto escrevia o livro, mas jamais li algo deterministicamente para absorver alguma função literária que iria me ajudar a resolver algum problema específico no texto. Eram simplesmente os livros que eu estava lendo. Ao acaso. Ou para alguma cadeira da faculdade. Os livros que me caíam nas mãos. Quanto a ler ou não quando se está escrevendo, eu sou um partidário da leitura. Moacyr Scliar dizia que a escrita é uma sequela da leitura, e eu concordo. Se eu não estiver lendo, provavelmente não conseguirei escrever. Tanto que nos meus momentos de bloqueio literário, não é apenas difícil escrever, também me é difícil ler. Se eu estiver lendo diariamente, provavelmente estarei escrevendo.
Você é um leitor entusiasta da autoficção?
Não acho que seja questão de ser entusiasta. Eu sei que tipo de literatura eu faço, eu sei que literatura eu fiz neste livro. Não tenho nenhum problema em admitir. É uma autoficção descarada, não teria como negar nem se quisesse. Mas eu gosto do gênero. Acho que é um tipo de escrita que permite problematizações que não são possíveis em outros tipos de texto. Só, é claro, há um limite. O que eu quero dizer com isso: um escritor não pode, ao meu ver, escrever um romance autoficcional atrás do outro. Acho que no mínimo deve se esperar uns 20 ou 30 anos antes de se aventurar no gênero de novo. Porque uma pessoa se esgota. Porque a vida não é tão interessante a ponto de sustentar vários livros sobre si mesmo. Eu passei quase uma década escrevendo contos, poesias e este romance. Tudo sobre mim. Chegou uma hora que acabou. Que esgotou. Que a fonte secou, que eu não tinha mais nada pra falar de mim. Daí passei um ano sem escrever. Tive que descobrir uma escrita nova. E tem sido duro. É quase como começar do zero; construir outro caminho.
- Autoria: Moema Vilela
- Doutoranda da Faculdade de Letras / PUCRS
Faculdade de Letras / PUCRS