Para dias de chuva

Temporal no bairro de La Boca, 1940. Arquivo Geral da Nação, Argentina
Temporal no bairro de La Boca, 1940. Arquivo Geral da Nação, Argentina

O que se altera é o gesto, o que se faz com ela, mas o fato é que, quando o céu está assim, como nos últimos vários dias em Porto Alegre, fica impossível manter-se alheio à chuva. Para além das conversas de elevador e das toalhas sempre por secar, a água alaga as ruas e os ânimos; pode convidar à reflexão ou abrir estrada para a melancolia.

A chuva que cai e molha também os poetas. Que esperam que algo acompanhe tanta água, como Roberto Bolaño: “esperas que desapareça a angústia / enquanto chove sobre a estranha estrada / em que te encontras”. Ou que percebem o que as gotas podem fazer com quem está na janela ao lado, como Juan Gelman: “hoje chove muito, muito / e parece que estão lavando o mundo / meu vizinho do lado contempla a chuva / e pensa em escrever uma carta de amor”.

E ainda há outros, como Ferreira Gullar em “Anoitecer de outubro”. Estes, enquanto pensam sobre a finitude, parecem escrever como quem chove:

“A noite cai, chove manso lá fora
meu gato dorme
enrodilhado
na cadeira

Num dia qualquer
não existirá mais
nenhum de nós dois
para ouvir
nesta sala
a chuva que eventualmente caia
sobre as calçadas da rua Duvivier.”

Autoria: Iuri Müller
Mestrando da Faculdade de Letras / PUCRS

Colaboração:
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