Certa vez, um jovem aspirante a escritor perguntou a Guy de Maupassant qual a melhor técnica para redigir um conto. O grande contista francês respondeu:
– Basta arranjar um bom começo e um bom final.
– Só isso? Perguntou o principiante – e no meio, o que entra? Ao que o escritor respondeu: Bem, aí entra o artista!
A partir da resposta de Maupassant, talvez seja possível inferir que de todas as características que um conto deve apresentar, sua “alma” está na forma como a história é narrada. A própria trama ou o tema escolhido não teriam o mesmo peso de importância. Sobre esta matéria, aliás, Julio Cortázar, analisando “alguns aspectos do conto”, quase cem anos depois, disse que “não há temas bons nem temas ruins, há somente um tratamento bom ou ruim do tema”.
A arte do conto surgiu num tempo em que nem mesmo existia a escrita, trazida pelos contadores de histórias populares em volta do fogo nas sociedades primitivas. Com o advento do registro escrito dessas histórias, no século XIV, o conto ganhou elaboração estética, mas conservou muitas de suas características primordiais: a concisão, a precisão, a unidade e o efeito singular que deve causar de forma a prender a atenção do leitor.
Talvez pelo ambiente noturno e o crepitar do fogo que acompanharam os primeiros contadores, o suspense e o fantástico tenham sido originalmente suas mais marcantes características.
O conto literário surge como tal no século XIX quando os irmãos Grimm publicam uma coletânea de narrativas com o título de Contos para crianças e famílias.
Em 1842, o conto literário tem em Edgar Allan Poe seu primeiro teórico. Poe lança as bases do conto moderno como o conhecemos hoje. No prefácio de Twice-Told Tales, um livro de Hawthorne, ele desenvolve sua teoria baseada no “Princípio da Unidade e Efeito”. Poe fala da necessidade de uma leitura curta, concentrada, penetrante, concisa, ao invés de extensa, verbosa, pormenorizada. Para ele, nesta narrativa como em quase todas as classes de composição é a unidade de efeito ou a impressão que o texto pode causar no leitor o ponto crucial da narrativa.
De acordo com sua teoria o conto deveria causar um estado de “excitação” ou de exaltação da alma. Ele entendia que para alcançar este efeito era imprescindível que pudesse ser lido com atenção, num curto espaço de tempo. Poe media a brevidade em termos de tempo de leitura: seria uma narrativa breve, que ocuparia o leitor entre trinta minutos e duas horas. Um conto bem estruturado possuiria um clima cuidadosamente premeditado, cada palavra servindo ao desígnio maior de criar naquele que lê uma impressão particular. Deveria ser fruto de um trabalho muito bem elaborado visando atingir o efeito que o autor pretendesse causar no leitor ao final da história.
Outro importante teórico, Anton Tchekhov, entendia ser o conto produto de “minucioso cálculo” e de um “extremo domínio do autor sobre seus materiais narrativos”. A grande ruptura do modelo de Tchekhov será a quebra da ação em direção a um clímax e um final privilegiado, conforme preconizava Poe. Em seus contos nada parece acontecer, no entanto é impossível não ser tocado por eles, pois o leitor será dominado pelo estado psicológico das personagens e por manifestações comoventes da condição humana: dor, solidão e angústias, que levarão o leitor a uma segunda história, oculta, a qual virá à superfície ao final da primeira história fazendo parecer que o conto fora construído para contá-la.
Esta habilidade de ocultar uma segunda história dentro da primeira é outra importante característica do conto e, de acordo com o que explica Ricardo Píglia em seu estudo: “Teses Sobre o Conto”, esta seria a sua tese número um: “um conto sempre conta duas histórias”.
Há ainda Tzvetan Todorov, para quem as narrativas podem apresentar dois tipos de episódios: aqueles que descrevem um estado de equilíbrio (relativamente estáticos) e os que descrevem a passagem de um estado para o outro (dinâmicos). Para ele, toda a intriga no conto estará situada na passagem de um equilíbrio para outro. O conto é o registro (literário) de um episódio singular e representativo, através de um flagrante ou instantâneo. Nele comenta-se o essencial em um espaço de tempo bastante limitado, mas procurando conservar a tensão que terá desenlace num grande final. Nesta narrativa, tudo gira em torno de um único conflito, uma só imagem, um incidente predominante que conduz ao fechamento com “chave de ouro”.
Uma última característica a ressaltar é a epifania, como concebeu James Joyce. É aquele instante especial captado dentro da estrutura do conto, algo como uma súbita manifestação espiritual. De acordo com Nádia Gotlib, em Teoria do Conto “é a percepção reveladora de uma dada realidade”. Esta autora cita como exemplo as narrativas de Clarice Lispector, onde a personagem vive uma experiência ou uma descoberta, de tal forma intensa, que lhe descortinará um novo mundo fazendo com que ela não seja mais a mesma depois disto.
Desde a antiga lição de Maupassant ao jovem principiante, apreende-se que, independente do estilo, do tema ou da trama, fundamental é contar bem a história, afinal, quem conta um conto amplia o mundo.
Faculdade de Letras / PUCRS