João Cabral de Melo Neto (1920-1999) ficou reconhecido pelo rigor formal e pela busca de uma arquitetura concreta e precisa para o fazer poético, evitando o sentimentalismo. Essa vertente de sua obra, que já flertou também com o surrealismo e a poesia popular, pode ser bem percebida em trabalhos como o seminal A Educação pela Pedra (1965) ou Psicologia da Composição (1947). A leitura de seus livros permite entender por que suas propostas (e a realização primorosa delas) chamaram atenção no Brasil da época, onde predominava a lírica confessional. Tornou-se um dos mais importantes poetas brasileiros.
Em 1998, um ano antes de morrer, foi visitado pelo músico, compositor e poeta Richard Serraria, na época aluno da Faculdade de Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. João Cabral de Melo Neto nasceu em Recife, mas depois de ingressar na carreira diplomática em 1946, serviu em cidades como Barcelona, Sevilha, Madri e Londres, até se aposentar, nos anos 90, em terras cariocas. Foi ali no Rio de Janeiro que, de um porteiro, Richard Serraria ouviu a proibição de entrar no prédio e perturbar o poeta famoso. Conseguiu driblar a interdição. Ao tocar a campainha, foi recebido pelo mestre, conversaram, e Serraria ainda ganhou o convite para voltar. No último bate-papo, soube que o autor de Morte e Vida Severina tinha perdido a visão e não podia mais ler, mas uma filha vinha sempre fazer leituras em voz alta para ele. Serraria perguntou o que João Cabral de Melo Neto andava lendo.
– Shakespeare – foi a resposta. – Não tem mais tempo para apostas.
Essa história foi contada por Richard Serraria em 2012 no bate-papo “Pedra do Sono e outras pedras fundamentais da poesia brasileira”, evento da Palavraria, célebre livraria de Porto Alegre, que uniu para falar do poeta recifense também Antônio Sanseverino e Guto Leite. Richard Serraria é hoje mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS e professor universitário na Feevale.
- Autoria: Moema Vilela
- Doutoranda da Faculdade de Letras / PUCRS
Faculdade de Letras / PUCRS