O romance Tristão e Isolda é um relato mítico do amor impossível. A obra retrata o tema da triangulação amorosa existente entre o rei Marcos, seu sobrinho Tristão e a princesa Isolda.
Tristão é o jovem órfão criado por seu tio, o rei Marcos, que o formou nas artes da guerra e da sensibilidade artística tornando-o um cavaleiro.
Um cavaleiro medieval tem de provar sua virtude e especialmente sua pureza de coração e de propósitos, frequentemente, durante viagens. É essa pureza que lhe irá angariar fama e respeito ao final de cada jornada. A pureza tornará mais fácil seu encontro com o ideal espiritual. Sua virtude será constantemente posta à prova por uma série de eventos sobrenaturais, feiticeiros, gigantes ou feras que atravessarão seu caminho. Para garantir seu sucesso, receberá ensinamentos que propiciarão o desenvolvimento de seus dotes de cavaleiro.
O modelo de herói apresentado no mito de Tristão e Isolda parece reunir características que negam o padrão tradicional do cavaleiro do romance medieval, podendo levar a uma indagação: onde encontrar justificativa para os desajustes na conduta do herói e o seu distanciamento das regras de lealdade, abnegação e virtude?
Apesar de sua bravura, destemor e de seu padrão errático, Tristão não parece ser imediatamente reconhecível como um genuíno cavaleiro andante, já que, para aqueles heróis medievais a virtude e a pureza de coração e de propósitos eram vistas como único meio para alcançar fama e respeito ao final de cada jornada, como temos exemplo em Sir Galahad. Tampouco parece possível enquadrá-lo no padrão clássico grego, em que o herói épico é movido pela busca de glórias e triunfos em batalhas, tentando registrar seu nome entre os grandes feitos da história para, assim, honrar seus antepassados e alcançar a imortalidade, como fez Ulisses.
Compondo entre esses dois tipos, Tristão empreende uma contínua viagem enfrentando as mais desafiadoras situações que pretendam afastá-lo de seu destino romântico ao lado de Isolda, mas sua tragédia é interior e sua busca é pela glória dos sentimentos.
Quando Tristão se apaixona pela esposa de seu tio, todos os ensinamentos recebidos para se tornar um cavaleiro são ativados: ele usa sua habilidade com o arco, a espada e o escudo para defender seu amor e sua amada; usa a sensibilidade artística e a sua harpa para encantar e seduzir. Porém, os ensinamentos recebidos para honrar a palavra e odiar a mentira e a traição parecem ter sido deslocados e os mandamentos da paixão, e não o das armas, tomam seu lugar.
A história de Tristão e Isolda tomou roupagem francesa no século XII, durante o que se chamou de renascimento medieval. Os poetas provençais de então, assim como nas versões estrangeiras do século seguinte, conservaram vários elementos da lenda celta proveniente dos primórdios da cultura irlandesa.
Preservou-se, assim, uma ideia do que fora o poema cantado pelos bardos na tradição celta, que gira em torno do mar e da floresta e cujo herói é mais que um homem, é um semideus: inventor das artes bárbaras, objeto de constante admiração e inveja e que só se completa pelo amor.
Em permanente contato com o esotérico, explorando a sintonia com as forças da natureza e dono de uma obstinação por alcançar seu objetivo romântico, o mito de Tristão parece estar mais ligado às matérias que constituem o herói celta primordial.
Considerando a tese de que a lenda de Tristão e Isolda bebe da fonte do mito primordial celta e conserva a essência desse mito, parece-nos que é através dos traços oriundos desta cultura milenar que o nosso herói revela seu caráter e desenvolve sua trajetória. Só a partir do entendimento do processo da busca espiritual pelo herói mitológico celta é que vamos estabelecer a verdadeira conduta do nosso herói medieval. De outra forma, como entender a súbita “transferência” da lealdade de Tristão para sua rainha, em detrimento da fidelidade ao seu juramento como cavaleiro do rei, a quem deveria honrar acima de tudo? Somente tendo em vista que para ele, Isolda – a loura – é a representação da deusa solar celta, e que ele – Drusdan – é o guardião da religião solar, como indica a etimologia do seu nome bretão. De que forma entender Isolda, a bela com poderes mágicos de cura, se não buscarmos na origem simbólica sua representação como a deusa solar celta, carregando toda a sabedoria da sacerdotisa Wicca e seu conhecimento das ervas e dos rituais sagrados? Como alcançar o efeito devastador do vinho ervoso sobre os amantes sem a perspectiva da Geis celta, obrigando o herói a um destino irrevogável, quando sobre seu poder? Como habitar com ele na floresta que representa seu mundo interior e a consagração de seu amor sem ter em vista o poder mágico que a floresta exercia sobre o povo celta em todos os seus rituais de iniciação e auto-revelação?
Assim como o mito celta, o herói da lenda medieval só encontrará completude no amor. O cavaleiro Tristão não busca glória nas batalhas, mas no amor transcendental e eterno que realizará a passagem do material para o espiritual, do terreno para o divino, onde os amantes sentirão que sua alma está liberta e poderão, finalmente, realizar seu ideal romântico.
Faculdade de Letras / PUCRS