Por que Zelda Fitzgerald deixou de sonhar?

Zelda Fitzgerald aos 17 anos
Zelda Fitzgerald aos 17 anos

As loucas, loucas, louquíssimas aventuras de Zelda Fitzgerald: bailarina, pintora, autora de “Esta Valsa é Minha”, agitadora cultural, esposa de F. Scott Fitzgerald. É de domínio público que Zelda Sayre viveu uma vida, ao mesmo tempo, movimentada e desregrada.

Um exemplo, diz Robert Schnakenberg, em “A Vida Secreta dos Grandes Autores”:

“Em uma festa oferecida pelo magnata de Hollywood, Samuel Goldwin, o casal apareceu no portão de entrada, sem ter sido convidado, andando de quatro e latindo como cachorro. Depois de serem ‘convidados’ a entrar, apesar da exibição, Zelda foi imediatamente para o andar de cima para tomar um luxuriante banho na banheira de Goldwin”.

E por aí vai.

Em outra festa, ela e o marido chegaram de pijama; em poucos instantes, Zelda estava nua, dançando entre os participantes. Durante um evento literário qualquer, Zelda arrancou sua calcinha e a arremessou contra o público. Em um dia de nervosismo, Zelda chamou o corpo de bombeiros; quando eles chegaram perguntando onde era o fogo, ela respondeu, muito sinceramente, que era no coração dela.

E por aí vai (a lista é longa).

Autorretrato de Zelda, início da década de 1940
Autorretrato de Zelda, início da década de 1940

E, depois de inúmeras passagens por outros hospitais psiquiátricos, morreu, em 1948, de modo trágico, queimada em um incêndio do manicômio onde estava internada. Em um manicômio como Camille Claudel. Sufocada como Isadora Duncan. Asfixiada como Sylvia Plath.

Por que uma vida assim?

Existe uma série de questões psicológicas a serem, no mínimo, analisadas, como seu diagnóstico de esquizofrenia, sua suposta bipolaridade, seus inúmeros problemas gástricos a partir do estresse. Mas o diagnóstico é muito mais social: a biografa Nancy Milford fala em um talento criativo sensível ao extremo que foi esmagado por uma sociedade patriarcal, e há bastante de verdade aí. Zelda escapava a qualquer padrão, principalmente aos padrões machistas de 1920. Queria mais, muito mais, muito mais do que ofereciam para uma garota como ela, nascida no Alabama, estado do sul conservador dos Estados Unidos.

Seu próprio livro, “Esta Valsa é Minha”, sofreu ataques violentos, em especial do marido, Scott. Escrito durante seis semanas de internação no hospital Johns Hopkins, a obra deixou o famoso escritor furioso, acusando a esposa de plágio e de roubar material no qual ele trabalhava para o livro “Suave é a Noite”. No fim, Fitzgerald obrigou Zelda a revisar o livro, eliminando trechos cujo desenrolar era semelhante ao que ele mesmo pretendia escrever.

E então?
Um segundo livro, Caesar’s Things, permaneceu incompleto.
O manicômio pegou fogo.
Zelda morreu à espera de uma sessão de eletrochoque.
Zelda e Francis Scott foram sepultados juntos.
E, no fundo, ela era uma criança.
Talvez não tenha criança no céu.

Autoria: Davi Boaventura
Doutorando da Faculdade de Letras / PUCRS
Colaboração:
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