Lavoura Arcaica, um filme literário

Relendo Lavoura Arcaica relembro do filme. E de uma tentativa de crítica cinematográfica. Resgato-a:

Lavoura Arcaica (2001), adaptação do livro homônimo (1976), é uma viagem cinematográfica em que os universos de dois artistas, um da palavra, outro da imagem, se sobrepõem. O diretor Luiz Fernando Carvalho, que também coproduziu, roteirizou e editou o filme, foi fiel aos diálogos poéticos do livro de Raduan Nassar. Ao mesmo tempo, buscou transcender a literatura e acoplar lhe uma personalidade imagética própria.

Para o espectador, significa dizer que Lavoura Arcaica demanda atenção, quase que um comprometimento. Vale o esforço. As câmeras de Carvalho mostram com cenas fortes e elaboradas a história de André, um filho pródigo que volta ao lar e acaba por arruinar a família por não conseguir evitar que venham à tona os motivos de seu desgarre: o autoritarismo do pai e o excesso de ternura da mãe, que o sufocavam, e uma arrebatadora paixão pela irmã Ana.

O sufocamento das relações familiares, que permeia as lembranças de André e os acontecimentos cada vez mais conflitantes após a sua volta, são apresentadas através da oposição entre planos abertos e fechados, entre sombra e luz e, principalmente, entre o que se poderia chamar de “silêncio conceitual” e a pungente trilha sonora de Marco Antônio Gonçalves. A música de Gonçalves paramenta o ápice do filme, a cena em que Ana dança sensual e desesperadamente no que deveria ser uma confraternização libanesa.

livro lavoura

Se muitos dos méritos vêm de Luiz Fernando Carvalho não fazer concessões ao que seria mais “digerível”, essa opção também o conduziu a problemas que não soube contornar. O filme falha algumas vezes em dialogar com o público. Nas quase três horas de duração, há certas cenas um pouco arrastadas e, em outros momentos, as falas são complicadas de ser compreendidas, tal a velocidade de palavras pronunciadas em que não se dispensaria uma olhada no dicionário.

Esses problemas – que de maneira alguma tiram a força e a beleza da obra –, somados à opção do diretor por, como consta no site oficial, “ultrapassar a mera construção técnica, gerar uma fabulação, um sonho, com tamanha força de contaminar o escuro do cinema como uma peste” –, devem fazer com que versão cinematográfica de Lavoura Arcaica seja, como o livro, consagrada pela crítica, mas pouco consumido.

 

Autoria: Luís Roberto Amabile
Doutorando da Faculdade de Letras / PUCRS
Colaboração:
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