Para J.G. Ballard, acidentes de carro provocam tesão. É o que o autor propôs em um de seus livros mais polêmicos, Crash. Mas essa polêmica antecede a publicação, e impressiona.
Em 1970, três anos antes da publicação do título, J.G. Ballard foi convidado pelo New Arts Laboratory para preparar uma exposição. No período, o escritor, já conhecido por seu trabalho em ficção científica, trabalhava em experimentações multimídias, incluindo uma novela-colagem chamada “The Atrocity Exhibition” e projetos de publicidade, além de colaboração em peças de teatro e documentários. Crash, então, era um trabalho em andamento e Ballard acreditou que a oportunidade era a oportunidade certa para testar sua hipótese de uma conexão inconsciente entre sexo e acidentes automobilísticos.
Diante da proposta do Arts Lab, portanto, radicalizou: dirigiu por ferros-velhos do norte de Londres e pagou para que três carros fossem entregues na galeria. Os veículos foram expostos sem nenhum material gráfico adicional, apenas os metais retorcidos e a iluminação de praxe. Para compor o cenário, contratou ainda uma garota cuja função, durante a abertura do evento, era andar seminua pelos convidados, supostamente entrevistando quem estivesse por lá.
O próprio Ballard reconta a experiência (em tradução do escritor Alexandre Rodrigues, autor de “Veja se você responde essa pergunta”):
“Eu nunca vi os convidados de uma galeria ficarem bêbados tão rápido. Havia uma grande tensão no ar, como se alguém se sentisse ameaçado por um alarme interno que começou a soar. Ninguém teria notado os carros se estivessem estacionados na rua, mas sob as luzes invariáveis da galeria estes veículos danificados pareciam provocar e perturbar. Vinho foi espalhado sobre os carros, janelas foram quebradas, a garota de topless quase foi estuprada no banco de trás do Pontiac (foi o que ela alegou). […] Durante o mês os carros foram incessantemente atacados, manchados com tinta branca por um grupo hare kishna e dilapidados para roubo de espelhos e placas. Quando foram rebocados, sem pesar, tinham sido confirmadas todas as minhas suspeitas a respeito das ligações inconscientes que minha novela podia explorar”.
Crash foi publicado em 1973, mostrando personagens cuja excitação sexual é diretamente ligada com acidentes de carro, o que, é óbvio, gerou muita polêmica e revolta. Em 1996, foi adaptado para o cinema por David Cronenberg. Ballard, também famoso pelo livro Império do Sol, adaptado por Spielberg em 1987, faleceu em 2009.
- Autoria: Davi Boaventura
- Doutorando da Faculdade de Letras / PUCRS
Faculdade de Letras / PUCRS