Sobre as dedicatórias extraviadas

Elas estão presentes, na maior parte das vezes, nas prateleiras dos sebos. Se discretas, podem ser invisíveis para os clientes que folheiam um exemplar sem tanto esmero, e então só notadas quando se chega em casa. Podem expressar um carinho contido (“Para o Miguel, com um abraço forte”), um amor que não chegou a ser (“Para Marina, esperançoso de que ao menos aceite este livro”), uma saudade aguda (“Que este romance chegue até ti e diminua por um momento a maldade da distância, do tempo e do oceano”).

Dedicatórias perdidas: podem dar pistas de quem foi o primeiro leitor, de quando e onde foi comprado (“Inverno de 1995, Consolação. São Paulo”), do objetivo destinado àquele livro (“Espero que este romance de Javier Marías faça com que lembres de mim quando for a hora de entrar no avião e começar esta viagem”). As dedicatórias podem até mesmo se acumular, visto que o comércio de livros por vezes adquire velocidade, e se misturar com novas assinaturas e sinais de manuseio. Mas estarão presentes, a menos que o rancor tenha sido mais forte: há exemplares em que a frase que antes significava carinho, amor ou desejo agora seja mero borrão ilegível – uma caneta passou por ali e retorceu nomes e verbos (“Para N., que espero ter ao meu lado para o resto da minha vida”).

Há dedicatórias valiosas, que elevam o valor do livro usado. São as que partiram do punho do próprio escritor no momento em que o título foi lançado. Alguns, compradores tão sagazes como desprendidos, anos depois partem conscientemente para o sebo do bairro: por aquele exemplar, ganharam alguns bons reais. Outros livros têm rumos distintos: vão parar em coleções pessoais, em fundações, em acervos organizados por bibliotecas. Nesses casos, a dedicatória passa de mão em mão e permanece intocada; em algum momento, retornará à estante.

Fui sorteado recentemente ao retirar, por empréstimo, a poesia de Armindo Trevisan em “A surpresa de ser” na Biblioteca Central da PUCRS. Na primeira página, me deparo com um recado para outro grande escritor gaúcho: “a Dyonélio Machado, com grande admiração. A. Trevisan, 18.10.1972”. As dedicatórias esperam por um descobrimento e pelo leitor que avança noite adentro em busca de uma frase perdida; os corredores devem estar repletos de outras mais.

Autoria: Davi Boaventura
Doutorando da Faculdade de Letras / PUCRS
Colaboração:
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