Estou a percorrer os corredores da biblioteca (3º pavimento; Área D; Estante 39) quando o Ernesto Sabato me olha. O fantasma do Ernesto Sabato. Ele está num escritório em preto e branco, com mesa de tampo de vidro, daqueles tampos nos quais por baixo se colocam papéis importantes, fotos da mulher amada, o escudo do time. O sol entra pela janela, a luz solar é perceptível, reflete quadriculada, em quadrados grandes, na parede. Lá fora está Buenos Aires, imagino. Um telefone antigo, de discar. Um cinzeiro. Ali é o escritório do escritor, eu sei, dá pra sentir. Na parede, um calendário, talvez 1956, fotos, um diploma provavelmente. E uma placa com alguns dizeres impossíveis de ler.
O Ernesto Sabato, o fantasma dele, o livro dele, O escritor e seus fantasmas, me olham; e não estou mais na biblioteca. Estou dentro do livro, na página, no trecho “A testemunha”:
“A grande maioria escreve porque busca fama e dinheiro, por distração, porque simplesmente tem facilidade, por que não resiste à vaidade de ver seu nome em letras de forma. Restam, então, os poucos que contam: aqueles que sentem a necessidade obscura mas obsessiva de dar testemunho de seu drama, de sua infelicidade, de sua solidão. São as testemunhas, isto é, os mártires de uma época. São homens que não escrevem com facilidade, mas com dilaceramento. São indivíduos na contramão, terroristas ou fora-da-lei”.
- Autoria: Luís Roberto Amabile
- Doutorando da Faculdade de Letras / PUCRS
Faculdade de Letras / PUCRS