E mulher pode escrever livro assim?

Quando Raquel de Queiroz tinha cinco anos, foi testemunha de uma das secas mais fortes que se tem lembrança no Ceará. Aos 19, começou a escrever um romance que se passava durante aquela seca de 1915. O livro contava duas histórias paralelas, que começam e terminam no mesmo ponto. Uma das tramas é a trajetória da família de Chico Bento, forçada a emigrar, a outra é a da tímida paixão entre a professora Conceição e seu primo Vicente. Lançado em 1930, em edição bancada pelo pai da autora, O quinze (José Olympio, 2004) surpreendeu pela linguagem sem pompa, cheia de vigor e oralidade, e pelo retrato pertinente da vida do nordestino. A surpresa ficava maior quando se descobria que a autora era uma mulher, e tinha apenas 20 anos. Não era comum que mulheres escrevessem numa linguagem daquelas, e tratando de temas tão duros. A tal ponto que se duvidou da autoria de O quinze.

20121008bGraciliano Ramos, por exemplo, numa de suas cartas, reunidas em Linhas tortas (Martins, 1970), recorda: “Seria realmente de mulher? Não acreditei. Lido o volume e visto o retrato no jornal, balancei a cabeça: não há ninguém com este nome… pilhéria. Uma pilhéria. Uma garota fazer romance! Deve ser pseudônimo de sujeito barbado.”

Não era, e Raquel de Queiroz (1910-2003) tornou-se uma dos grandes nomes da literatura brasileira de seu tempo.

Autoria: Luís Roberto Amabile
Doutorando da Faculdade de Letras / PUCRS
Colaboração:
Logotipo Faculdade de Letras da PUCRS Faculdade de Letras / PUCRS