Desapareceram os versos de Borges?

Borges em Paris, no ano de 1969. Foto de Pepe Fernández
Borges em Paris, no ano de 1969. Foto de Pepe Fernández

O poeta Manuel Bandeira foi um dos primeiros a auxiliar o desembarque dos poemas de Jorge Luis Borges no Brasil. Do poeta argentino, Bandeira traduziu ‘Um pátio’, da primeira fase de Borges. Graças ao tradutor, podemos ler os seguintes versos em português. Versos que, num movimento que pode parecer estranho, desapareceriam tempos depois:

“Com a tarde
Cansaram-se as duas ou três cores do pátio.
A grande franqueza da lua cheia
Já não entusiasma o seu habitual firmamento.
Hoje que o céu está frisado,
Dirá a crendice que morreu um anjinho.
Pátio, céu canalizado.
O pátio é a janela
por onde Deus olha as almas.
O pátio é o declive
Por onde se derrama o céu na casa.
Serena
A eternidade espera na encruzilhada das estrelas.
Lindo é viver na amizade obscura
De um saguão, de uma aba de telhado e de uma cisterna”.

O poeta argentino, a partir daí, seria presença constante no país e hoje é possível encontrar quase toda a sua obra traduzida para a língua portuguesa. ‘Um pátio’, poema dos primeiros anos de escritura, permanece lido e admirado.

Em Primeira poesia, publicado em 2007 pela editora Companhia das Letras, podemos encontrá-lo, traduzido por Josely Vianna Baptista. Para o leitor, podem parecer dois poemas distintos:

“Com a tarde
cansaram-se as duas ou três cores do pátio.
Nesta noite, a lua, o claro círculo,
não domina seu espaço.
Pátio, céu canalizado.
O pátio é o declive
por onde se derrama o céu na casa.
Serena,
a eternidade aguarda na encruzilhada de estrelas.
Grato é viver na sombria amizade
de um saguão, de uma parreira e de um poço”.

A primeira versão conta com quatro versos a mais, vários trechos foram modificados e alguns excluídos. A explicação, no entanto, pouco tem a ver com os tradutores, mas com escolhas do próprio autor. Jorge Luis Borges modificou seus primeiros poemas, como explica no prólogo de Fervor de Buenos Aires: “Não reescrevi o livro. Mitiguei seus excessos barrocos, poli arestas, cortei sentimentalismos e vaguezas”.

Conta, também, que o Borges de 1923 anteciparia o de 1969, ano em que escreve o prólogo: “Para mim, Fervor de Buenos Aires prefigura tudo o que eu viria a fazer (…) Naquele tempo eu buscava os entardeceres, os arrabaldes e a desventura; hoje as manhãs, o centro e a serenidade”. Os versos, portanto, não desapareceram, mas acompanharam o deslocamento do autor em direção ao que é singelo.

Autoria: Iuri Müller
Mestrando da Faculdade de Letras / PUCRS
Colaboração:
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