Se hoje está preocupada com a crise econômica, o desemprego e a dívida, Lisboa já teve de se defender de um cerco que durou meses. Também houve um terremoto, outras invasões, uma ditadura e uma revolução florida. Entre tantos acontecimentos, Lisboa já foi outra: teve outros nomes e pertenceu a outros povos.
Se hoje Joyce leva a fama de escritor difícil e incompreensível, talvez a culpa não seja exatamente dele. Ou melhor, se Joyce é um escritor difícil e incompreensível, a culpa talvez não seja de sua criatividade, a culpa talvez seja, pelo menos em parte, de sua caligrafia. Exagero? Não, exagero nenhum: sua letra era tão complicada – à beira do garrancho ininteligível – que a produção de Ulisses (1922) chegou a ser interrompida porque ninguém conseguia datilografar o manuscrito do capítulo 15, o episódio de Circe, quando Stephen e Leopold Bloom deliram no bordel de Bella Cohen.
Há tempos, pesquisadores se esforçam em descobrir o que pode levar uma cidade a reunir, em determinado período da história, um número fora do comum de pessoas às voltas com a criação artística – e, mais do que isso, transformando a arte. Viena, a capital austríaca, é um destes objetos de estudo: nos últimos anos do século XIX, caminhavam pelas mesmas ruas os responsáveis por modificar a pintura, a arquitetura, a música e a literatura, e de levar adiante os conhecimentos da psicanálise.
Presença da literatura na música pop? Nenhuma novidade. Bulgákov influenciou uma das músicas mais famosas dos Rolling Stones, Sympathy for the Devil. Bowie escreveu uma música chamada 1984. O Velvet Underground eternizou Sacher-Masoch em Venus in Furs. Hemingway inspirou o Metallica a lançar uma música também chamada Por Quem os Sinos Dobram. Tolkien e seus hobbits fazem a festa no quarto álbum do Led Zeppelin. Salvo engano, no entanto, um dos autores mais citados pelos músicos, ao mesmo tempo em que é um dos escritores mais esquecidos pelas listas que compilam a relação entre as duas artes, é ninguém menos que um ganhador do Nobel: William Golding.
Se hoje as lideranças do futebol brasileiro estão enroscadas em denúncias e mais denúncias de corrupção, inclusive com um dos ex-presidentes da confederação brasileira preso por uma operação da polícia federal norte-americana, o passado reserva, pelo menos, um nome mais ilustre entre as fileiras de dirigentes: José Lins do Rego. Pois é, o escritor paraibano de Menino de Engenho (1932) e Bangüê (1934), era verdadeiro fanático pelo ludopédio e chegou a ser cartola do rubro-negro carioca, depois de se mudar a trabalho para o Rio de Janeiro.
Nada de tablet, smartphone, realidade aumentada ou pixel: o que os usuários da nova biblioteca pública de Deichmanske, em Oslo, Noruega, vão ler em 2114 será mesmo o bom e velho livro. Quer dizer, não exatamente. Os livros disponíveis para os visitantes não serão os títulos impressos hoje, lidos e comentados por todo mundo, preservados sob algum tipo de criogenia. Os livros disponíveis até estão sendo escritos hoje, mas vão ser guardados em ambientes confinados e somente serão lidos de fato daqui a 100 anos.