A pergunta do título, na verdade, diante de tantas respostas possíveis, é insolúvel: o importante é a questão, o modo como ela ressignifica a rede mundial de computadores enquanto lugar de formação da criatividade. Quero dizer: que literatura pode surgir da internet? Milhares. Escritores assistindo três horas de pornô podem usar os vídeos como base para uma coletânea de contos eróticos. Tuítes de celebridades podem se transformar em poesia dadaísta. Reportagens, artigos políticos podem se tornar o núcleo de um livro de espionagem.
E por aí vai.
Essa premissa foi a base do curso Wasting Time on the Internet (perdendo tempo na internet), criado por Kenneth Goldsmith, professor da universidade da Pensilvânia, primeiro poeta laureado pelo Museum of Modern Arts, e ministrado neste primeiro semestre de 2015. A ideia era muitíssimo simples, à beira do ridículo. Quinze alunos de Escrita Criativa sentavam na sala de aula e navegavam pela internet. Ou melhor, eram “encorajados a se perderem na internet, desaparecendo por três horas em uma deriva”, experiência a partir da qual deveriam escrever um trabalho literário.
Nada estava fora do limite, garantia o professor. Segundo ele, o vasto material de linguagem da internet é, sem dúvida, um material cru perfeito para a literatura. “A ideia para essa aula surgiu de minha frustação em ler incontáveis acusações de como a internet está nos deixando mais burros”, escreveu Goldsmith em um artigo para a New Yorker (http://nyr.kr/1xzVicn). “Eu tenho sentido justamente o contrário. Nós estamos lendo e escrevendo mais, mas lemos e escrevemos de uma forma diferente”.
No fundo, o que Goldsmith queria mostrar, tendo em perspectiva seus vários anos de ensino peculiar de Escrita Criativa, é que “não importa o que fizermos, nós não conseguimos não nos expressar”. E, de fato, aponta o poeta, “cada clique é indicativo de quem nós somos: nossos gostos, nossos desgostos, nossas emoções, nossa política, nossa visão de mundo. Claro, marqueteiros reconheceram isso há tempos, mas a literatura ainda não descobriu o tesouro – nem explorou – essa situação”.
Nem todo mundo compreendeu a iniciativa, obviamente. Alguns veículos de imprensa o criticaram em função do método nada ortodoxo, que seria somente uma espécie de enganação acadêmica, outros alegaram que o preço (cerca de US$3.000) para um curso como esse era abusivo. Uma das alunas, em um texto para a Slate (http://slate.me/1bCZRwj), o chamou de “algo como uma imersão alucinatória no fluxo digital”. Difícil dizer quem está certo, se Goldsmith ou se os críticos. Talvez nem o Google saiba responder.
- Autoria: Davi Boaventura
- Doutorando da Faculdade de Letras / PUCRS
Faculdade de Letras / PUCRS