Quem foi a Nadja de André Breton?

Trecho da obra de André Breton. Reprodução
Trecho da obra de André Breton. Reprodução

O ano é o de 1962, estamos no outono. Nos arredores da Opéra de Paris, pobremente vestida, uma mulher caminha sem rumo certo: “Vai de cabeça erguida, ao contrário de todos os passantes. Tão frágil que mal toca o solo ao pisar. Um sorriso imperceptível erra talvez em seu rosto”. Este é o primeiro encontro de André Breton, o personagem-narrador-autor de Nadja (1928), com a mulher que empresta o nome ao livro. Os encontros se repetirão, entre a casualidade e a necessidade, por cerca de dez dias.

Nadja logo se firmará como uma das grandes obras do surrealismo europeu, capaz de confundir os limites entre vida e literatura, ao passo que a personagem homônima também se eterniza a partir da obra. A verdade é que houve uma Nadja na vida de André Breton, como provam as cartas da época: ela se chamava Léona Delcourt e nasceu em 1902 nos arredores de Lille. Léona viajou na juventude para Paris, onde trabalhou como balconista, dançarina e prostituta. Em algum momento dos anos 1920, o acaso, tão ao gosto surrealista, a aproxima de André Breton.

“André? André?… Você vai escrever um romance sobre mim. Garanto. Veja só: tudo se esvai, tudo desaparece. É preciso que reste algo de nós (…)”. Poucos dias depois, Nadja sai de cena e, no romance, torna-se menos presença que recordação. O narrador revela que foi internada após distúrbios no hotel onde morava. A partir daí o contato se rompe, perdemos o rastro de Nadja e resta a evocação de André: “Já que existes, como só tu sabes existir, talvez não fosse necessário que este livro existisse”.

Recentemente, a escritora holandesa Hester Albach investigou a história de Nadja. A busca teve como resultado o livro Léona, heroína do surrealismo, publicado em 2009 e sem tradução para o português. No romance de 1926, André entrega a Nadja dois livros: Os passos perdidos e o Manifesto do surrealismo. Nadja observa os dois sobre a mesa e questiona: “Os passos perdidos? Mas não existe passo perdido”. Passos que são, ao mesmo tempo, o passo errante da Nadja de Breton e o de Léona Delcourt.

Autoria: Iuri Müller
Mestrando da Faculdade de Letras / PUCRS
Colaboração:
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