Viajando com Charley

Em 1960, o escritor americano John Steinbeck, que dois anos depois receberia o Nobel, lançou “Viajando com Charley”. No livro, publicado no Brasil nos anos 1970, pela editora Record – ainda dá para achar em sebos –, Steinbeck narra uma jornada de três meses pelos EUA na companhia de seu poodle Charley. Não gosto de poodles, mas gostei do livro, e como em minha última viagem usei pela primeira vez um navegador com GPS, e ele me indicava ruas e avenidas com uma voz masculina, apelidei-o de Charley.

Meu quase amigo Charley (não confundir o Charles Anjo 45 daquela música do Jorge Ben Jor) era muito bem informado e extrovertido. Sempre sabia os caminhos a seguir e gostava de conversar comigo. Bom, não era exatamente uma conversa. Na verdade, eu sempre respondia as suas frases, mas ele quase sempre não dava bola para o que eu dizia. Certa vez, por exemplo, num trecho à beira-mar, Charley sugeriu que continuássemos rodando, mas eu queria tirar um foto. “Só vou parar um pouco para pegar essa luz do fim de tarde”, expliquei-lhe. O danado me ignorou e repetiu: “Siga em frente”. Parei assim mesmo e tirei a foto, aproveitando uma senhora que passeava com seu cachorro (aliás, parecia um poodle, e quase perguntei se o nome era Charley) para quebrar a monotonia da paisagem. Meu navegador e quase amigo não se abalou, ou não quis se mostrar abalado, e quando voltei ao carro, a única coisa que ele disse foi: “Siga em frente”.

Em outra ocasião, deixei-o ligado na mochila e, em frente ao hotel aonde iríamos nos hospedar, ele bradou: “Você chegou ao seu destino”. Tive a impressão que alguns passantes me olharam com curiosidade, até pensei em dizer “É o Charley…”, mas achei melhor agir como se nada tivesse acontecido. Agora descobri que há uma opção do navegador com voz feminina. Vou encomendar e até já tenho um apelido para ela: Charlize, desta vez inspirado na deslumbrante atriz Charlize Theron. Estou pensando em convidar a minha Charlize para jantar em algum restaurante romântico durante a viagem. Será que ela aceita?

Autoria: Luís Roberto Amabile
Doutorando da Faculdade de Letras / PUCRS
Colaboração:
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