Eu e a Gabriela Silva somos amigos de alguns anos, por causa da PUCRS, onde ela se doutorou em Teoria da Literatura. Também por causa de certas afinidades, como a morte (foi o tema do doutorado dela) e cachorros estropiados (ela adotou um). Mas a amizade não motiva essa entrevista. O motivo é que no ano passado a Gabriela teve uma daquelas ideias que fazem diferença: a Feira Além da Feira (www.feiraalemdafeira.com.br). Trata-se de “uma rede de parcerias solidárias”, que funciona como uma extensão da Feira do Livro. Bom, vou deixar a Gabriela explicar melhor.
Por que a Feira Além da Feira? Da onde veio a ideia?
A Feira Além da Feira veio da ideia da possibilidade de nos dirigirmos apenas aos interessados em literatura e suas relações com outras artes, bem como sociologia e filosofia. A ideia central era movimentar a livraria que frequentamos e que não participa da Feira que é universal, atendendo a diversas demandas de mercado. Nós não damos descontos em livros, não competimos com a grande feira, apenas nos debruçamos sobre nosso amor maior: a literatura. A Feira Além da Feira tem justamente esse nome por ser algo que se expande para além das barracas e stands. Logo que a ideia surgiu, chamei duas pessoas que considero fundamentais e sem as quais não existira o evento: Jeferson Tenório que é escritor e professor de literatura e Eduardo Cabeda, também escritor e cineasta. Nossa equipe trabalha em parceria com os demais locais que se engajaram na ideia. Principalmente o Festipoa Literária, na figura do Fernando Ramos, que nos ouve, ajuda e participa de nossa equipe, contribuindo para que a ideia seja sempre bem conduzida. Trabalhamos sem verba, sem apoio, mas com o afeto e o amor pela literatura, contamos com pessoas que nos ajudam, desde a assessoria de imprensa até nas campanhas de divulgação.
Espera esse sucesso e essa visibilidade toda?
A literatura não deveria apenas ser uma distração, um entretenimento, ela é mais do que isso. Ela é mais que uma capa bonita, que uma boa editora, que um autor famoso. Ela é e faz parte da história humana. Essa é a nossa intenção, somos todos apaixonados pela literatura, pelas ideias, pelas palavras, por todo esse universo que a torna tão interessante. O sucesso se deve ao conjunto de pessoas que se uniu. Somos leitores, professores, escritores, conversamos sobre literatura, ficamos felizes em ver pessoas compartilhando conosco isso. Quando termina alguma atividade e um participante vem falar conosco, seguramos nossa emoção, por que é nessas pequenas conversas que entendemos que estamos valorizando a coisa certa. O grande sucesso é a literatura.
Esse ano o tema é Dom Quixote. A ideia é fazer sempre com tema? Por que Dom Quixote nesse ano?
A ideia de um tema surgiu de escolhermos “o livro da vez”, como as feiras e eventos apresentam sempre um homenageado, um anfitrião, um patrono, escolhemos homenagear livros. Dom Quixote é nossa primeira escolha, por que ele simboliza esse amor, esse mergulho, relação um tanto passional entre o universo imagético do texto e o leitor que se torna parte da obra. Quixote é a personificação do desejo do leitor de viver as aventuras, as desmedias e peripécias dos personagens que ele conhece através da literatura.
A Feira do Livro começou como uma união de livreiros. Nesse sentido ao juntar pequenas livrarias, a Feira Além da Feira recupera o que um dia foi a Feira do Livro?
Acho que não, não nos propomos a ser uma feira do livro, com vendas, com barracas, com promoções, mas sim respiramos esse mesmo ar literário que acontece e se espalha pela cidade
Em sua opinião, por que Porto Alegre tem essa tendência a fomentar eventos literários?
Há uma tendência de fomentar, mas não de ser comum, ou de ser para todos. A literatura não é para um grupo de indivíduos, ou para outro que se acha dono do poder de entender e conversar sobre literatura. Ela é para todos. A Feira do Livro é de todos, mas também de todas as outras artes e assuntos. A Feira Além da Feira se preocupa apenas com a literatura. Há muitos eventos literários, todos, ao olharmos de perto possuem qualidades e são atrativos a determinados grupos. O que falta em Porto Alegre? Que as coisas conversem entre si, que saiam do academicismo e que promovam a literatura de qualidade, sem o ranço da disputa de saber, sem os “carteiraços” acadêmicos. Quando a literatura for respeitada como arte, ela também funcionará como o norte para a qualidade dos eventos, como em muitos casos acontece na cidade.
- Autoria: Luís Roberto Amabile
- Doutorando da Faculdade de Letras / PUCRS
Faculdade de Letras / PUCRS