Você sabe como os vampiros podem dar lição de comportamento social?

O vampiro é uma personagem muito frequente nas histórias de horror, sendo retomada através dos anos, em diferentes versões.

Segundo a lenda, é um ente de hábitos noturnos, que se alimenta de sangue humano, tem grande poder de sedução sobre suas vítimas e não suporta a luz do dia. Apesar de praticamente imortal, pode deixar de existir se lhe for cravada uma estaca de madeira no coração.

Os relatos sobre esta figura “mitológica”, são antigos e aparecem em narrativas de muitos povos desde a Suméria e a Mesopotâmia.

Em 1819, o médico inglês John Polidori, publica O vampiro, considerado o primeiro conto sobre o tema, em língua inglesa. Polidori era interessado em literatura fantástica e pesquisador de relatos sobre vampirismo. Amigo particular do grande escritor Lord Byron, inspirou-se num de seus contos para escrever o texto sobre vampiros. Apesar de introduzir diversas modificações, a personagem de Polidori, conserva as principais características do protagonista do conto byroniano: o ar aristocrático, o impulso conquistador e a eloquência, que iriam inspirar o Drácula, escrito por Bram Stoker em 1897.

O Lord Ruthwen, de Polidori, viajava pela Europa infiltrando-se na alta sociedade e, valendo-se das facilidades que sua figura carismática e preparada lhe traziam, seduzia as jovens filhas dos ricos aristocratas. Conquistadas, as moças tornavam-se vulneráveis e lhe entragavam sua virgindade e sua honra.

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Muitos autores referem às histórias de vampiros, difundidas na Inglaterra vitoriana (1837-1901), como um libelo contra a excessiva liberalidade sexual que os anos de crescimento econômico e desenvolvimento científico deste período estariam proporcionando.

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Aludem à utilização da lenda com o fim de passar à população uma mensagem moralizante, a partir das referências a doenças transmitidas através do sangue e da promiscuidade sexual. Em sua necessidade de se alimentar de diferentes corpos a todo momento, o comportamento do vampiro denunciava a conduta promíscua, que indicava atitude lasciva e sensual, comportamento indesejado em sociedade. Além disso, a ligação do vampirismo com a sífilis, doença que se prolifera a partir do ato sexual, é adequada, em meados do século XIX, aos propósitos dos governantes preocupados com a saúde da população.

É interessante notar que, como pode ser percebido no livro de Bram Stoker, a história parece estar centrada na necessidade de salvação das mulheres contra os males que um comportamento libidinoso e independente pode lhes trazer. Mina, a heroína em constante perigo, só consegue paz com a ajuda de um grupo de típicos heróis masculinos produzidos pelo século XIX: um cientista, um médico, um advogado, um aristocrata e um americano. Sua amiga Lucy, já completamente perdida, precisa receber do noivo um golpe com a estaca de madeira e depois ter sua cabeça decepada.

Coincidência ou não, o livro de Bram Stoker é publicado em 1897, mesmo ano em que se funda a União Nacional pelo Sufrágio Feminino.

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O fato é que as mulheres, de acordo com alguns pesquisadores, parecem ser o alvo dessas histórias e o motivo de ganharem tamanha ênfase naquele momento. Durante o século XIX começa a despontar o que passaria a ser chamado de “nova mulher”, termo que começou a ser usado no final do século XIX para designar um grupo diferente que se formara no centro da classe média europeia: mulheres não apenas educadas e letradas, mas que estabeleciam projetos e não se satisfaziam com a possibilidade de encontrar um marido. Exatamente como a estenógrafa Mina, e a extravagante Lucy.

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De acordo com a historiadora Nikelen Witter, o tema trazido pelo romance parece cada vez mais atual, devido a uma crescente onda de abusos contra mulheres que a mídia retrata cotidianamente, “alguns testando nossas crenças, outros nossa tolerância”.

Muitos ainda procuram justificativas para a moda contemporânea das histórias de vampiros, que retomou com força seu lugar nos livros e no cinema, alcança os seriados e telenovelas, num tempo consagrado às liberdades individuais.

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Talvez o distanciamento histórico nos permita ver melhor. Enquanto não acontece, podemos pensar sobre a riqueza dos símbolos trazidos pela lenda e da sua contribuição ao imaginário coletivo.

Colaboração:
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