Pode uma ditadura calar um escritor?

Guimarães Rosa, um dos maiores na ficção brasileira do século XX

– E árvore, Manoel, o nome de algumas, você me dará?

Na visita que Guimarães Rosa fez ao Pantanal,acompanhado de Manoel de Barros, o escritor mineiro teria dado trabalho para o poeta mato-grossense, querendo saber o nome de tudo e mais um pouco. A viagem se deu na planície da Nhecolândia e originou o conto “Com o vaqueiro Mariano”, de 1952, que reapareceu em “Estas estórias”, livro póstumo de Guimarães Rosa. Já o encontro entre os escritores ficou registrado em relatos de Manoel de Barros, alguns publicados no livro “Gramática Expositiva do Chão”.

– Rosa escutava as coisas. Escutava o luar comendo as árvores. E, como é o homem aqui, Manoel? Eu fui falando nervoso. Ele queria me especular (1990: 337).

Manoel de Barros: o verbo tem que pegar delírio
Manoel de Barros: o verbo tem que pegar delírio

O interesse de Rosa pelas palavras não podia ser mais de acordo com sua obra: com um experimentalismo lexical primoroso e inventivo, o criador de “Grande Sertão Veredas” se tornou um dos maiores autores na ficção brasileira do século XX. Já o interlocutor de Rosa no Pantanal não podia ser mais adequado: desde a década de 1930, Manoel de Barros desenvolve uma poética com sintaxe própria, que remete à oralidade e destaca o falar rural do homem pantaneiro. Enquanto o sertão mineiro era fonte da artesania lingüística de Rosa, o poeta que ensinou que “o verbo tem que pegar delírio” reinventava a sabedoria do bugre e dos brejos no centro-oeste do Brasil.

Em meio à exuberante fauna pantaneira, Rosa perguntou o nome de passarinhos. Barros pensou que passarinho pequeno é passarinho-à toa, não tem nome. Disse:

– Isso é como a gente não saber o nome de todas as pessoas que vão atravessando o Viaduto do Chá (idem: 338).

Rosa deu risada. Os dois se entenderam no que mais os aproximava: a língua é coisa de se rir e de se inventar. Pela inovação e originalidade, pelo emprego de expressões da oralidade profunda do Brasil, pela criação de palavras por meio de diferentes mecanismos lingüísticos, os dois autores se encontraram não só no Pantanal, mas nas graças da literatura.

Autoria: Moema Vilela
Doutoranda da Faculdade de Letras / PUCRS
Colaboração:
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